Idosos: presentes, porém invisíveis

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Há quem diga que envelhecer é um privilégio. Eu concordo. É mesmo. Mas, para muitas pessoas, esse privilégio é vivido sob o manto pesado da invisibilidade e da indiferença. Invisibilidade e indiferença que estão presentes nas ruas, nas calçadas esburacadas, nos hospitais, nos ônibus lotados, nos balcões dos serviços públicos, nas UBS, nas filas dos bancos. E em muitos outros lugares. Culturalmente, de um modo geral, não tratamos com respeito as pessoas idosas.

Existe uma população inteira que, apesar de presente, pagar impostos, não é vista. São pessoas, homens e mulheres, que ajudaram a construir essa cidade, que sustentaram e sustentam famílias, que edificaram pontes – reais e afetivas –mas, que hoje, caminham como sombras entre as pressas alheias e os olhares distraídos da população. A pessoa idosa na cidade é um corpo que tenta existir, enquanto tudo a sua volta parece programado para apagá-la.

A velocidade urbana não permite pausas, e o tempo de quem envelhece, o nosso tempo, é justamente o da pausa: da fala lenta, do passo curto, da necessidade de ter atenção, que o cotidiano acelerado se recusa a conceder. Não raro, com frequência, a sociedade interpreta essa lentidão como incômodo – e transforma o idoso em um obstáculo, e não em um cidadão. A invisibilidade que existe com as pessoas idosas não é só pela ausência do olhar da cidade, é também pela ausência da escuta.

Escutar a pessoa idosa é ouvir as suas histórias de vida, suas dores, seus sonhos, suas conquistas e seus medos. É entender que envelhecer não é apenas soprar mais uma velinha no dia do aniversário: é um acontecimento social que exige políticas públicas sólidas, consistentes e sustentáveis com sensibilidade coletiva e vontade política acima de tudo. No entanto, o que temos, é uma escuta que é substituída por uma espécie de gentileza protocolar e automática – aquela que diz assim, “coitado”, em vez de dizer, “vamos conversar”.

A cada idoso que insiste em ocupar a cidade – quer seja – no desfile do bloco “Recordar é Viver” da AMAC; jogando dama com os colegas nos bancos do Parque Halfeld; dançando nos forrós de sábados à tarde – eles estão dizendo para a cidade: temos o direito de viver, e viver é persistir. Resistir. O corpo cansado vive na cidade. O afeto diluído, sem direção e perdido, procura lugar e espaço.Procura um abraço. O desafio para a cidade nem é tanto, lidar com sua população idosa. O desafio é a cidade aprender a olhar para as pessoas idosas. Enxergá-las, de verdade. Aprender a incluí-las. Aprender a reconhecer humanidade onde se valoriza pressa.

Na realidade, ao reconhecermos as pessoas idosas como parte fundamental e integrante da vida coletiva da cidade, estamos não apenas fazendo justiça ao legado que elas entregaram para nós, mas, também estamos fazendo justiça ao nosso próprio futuro. Sabem, por que? Porque todos nós, se a vidanos permitir, seremos, um dia, essa presença viva que implora para não ser invisível e nem ser discriminada pela idade. Se começarmos agora, a mudarmos o nosso olhar sobre o nosso envelhecimento, haverá tempo para construirmos uma nova cidade onde envelhecer não seja, necessariamente, desaparecer; mas continuar pertencendo, existindo e vivendo a vida.

Jose Anisio Pitico

Assistente social e gerontólogo. De Porciúncula (RJ) para o mundo. Gosta de ler, escrever e conversar com as pessoas. Tem no trabalho social com as pessoas idosas o seu lugar e mantém o canal Longevidades no Youtube (@Longevidades).