Envelhecer não é meramente uma questão biológica. É também uma questão territorial, geográfica. Cada pessoa, cada um de nós, como eu, como você, caro leitor e leitora, carrega em si mapas afetivos para a vida inteira: da rua onde você brincou; do colégio onde você estudou; do clube onde você namorou; e de tantos outros lugares que você traz na memória. É a nossa caminhada, a nossa trajetória, o nosso percurso existencial. A cidade pode ser uma guardiã desses mapas ou pode, simplesmente, nesses tempos de hoje, apagá-los, quando ela se torna hostil, excludente, barulhenta e acelerada demais. É o que temos. É o que vivemos.
Eu levanto a seguinte questão: até que ponto a cidade vem cuidando dos afetos daqueles que a construíram com seu trabalho e história? Em JF, como em tantas cidades brasileiras, convivem duas geografias: a contemporânea, da expansão urbana – verticalizada, cheia de prédios, adensada – e a da ternura que insiste em sobreviver com as convivências típicas de nossas mineiridades – no mercadinho, onde o dono, não só conhece o freguês pelo seu nome, como também o seu time de coração e a marca da cerveja de sua preferência e o seu tipo de tira-gosto preferido. Esse e outros espaços sociais são muito mais do que somente estruturas para o consumo: são territórios afetivos, de pertencimento e de acolhimento humano.
Uma política pública de cuidado voltada para a pessoa idosa precisa entender essa dupla geografia. Porque não basta somente o discurso oficial que fala em acessibilidade técnica: é preciso falar em acessibilidade afetiva. Meu desejo e o de muita gente, certamente, é o de que a nossa cidade se fortaleça cada vez mais, como sendo uma cidade de afetos. E para isso acontecer não basta celebrar vínculos é preciso defendê-los. Ocupar as ruas, disputar narrativas, exigir orçamento, cobrar presença. Fazer do afeto um gesto político – não um enfeite, mas uma força. Porque afeto em país desigual, não é sentimento: é lutar por melhores condições materiais de vida. Conquistar políticas públicas. Porque no fundo a geografia dos afetos também é um campo de batalha. Não existe neutralidade: ou se governa para ampliar a vida ou se governa para encolhê-la. O país já tem muros demais e pontes de menos. Já temos medos demais e encontros de menos. Afetos, portanto, são atos políticos.
Eles apontam para onde o poder chega e para onde ele não chega. Entre histórias pessoais e fatos coletivos, a geografia dos afetos revela o que, muitas vezes, o mapa oficial silencia: que todo espaço é resultado de escolhas, prioridades e disputas políticas. E que, enquanto essas escolhas não mudarem, continuaremos a medir distâncias não em quilômetros, mas em desigualdades. O envelhecimento tem CEP.
Jose Anisio Pitico
Assistente social e gerontólogo. De Porciúncula (RJ) para o mundo. Gosta de ler, escrever e conversar com as pessoas. Tem no trabalho social com as pessoas idosas o seu lugar e mantém o canal Longevidades no Youtube (@Longevidades).
